A casa mágica de vovó e de vovô




Jabuticabeira, cheiro de casa de vovó, doces de goiaba feitos com as goiabas que vovó mandava vovô pegar do pé que havia na casa, arvores de limão, ameixas. Subir no pé e ficar horas contemplando a paz de estar lá. Férias, fins de semana. Assim foi minha infância. Tive a sorte de ter dois avós que representavam a figura perfeita de casa de vovó. Estavam sempre lá, bonzinhos, carinhosos, acolhendo as dores da existência e ajudando a me tornar quem eu pretendia ser.
Essas lembranças são minhas, mas compartilhadas com todos os outros atores que participaram das cenas da casa da vovó Martha e do vovô Elias. Ainda sinto o cheiro, ouço as vozes, as cenas são tão reais na minha memória.
Lembro dos abraços, do sorriso que vovó dava ao me ver chegando no portão. E eu que duvidava que existiam anjos na terra. Eles eram.
Agora que os dois se foram, reluto em não perder as lembranças, não quero que elas fiquem guardadas no porão da minha consciência. Elas precisam viver porque eu sou essas memórias.
Quero que minha filha saiba o que vivi, que conheça os cantos da casa em que brincava, me escondia,  sorria e chorava. Era lá que eu era o que queria ser. Inventava personagens, fugia dos medos e me acolhia no aconchego dos braços de vovó.
Ainda lembro das tardes em que ficava horas conversando com minha vovó, ouvíamos aqueles programas de fim de tarde, rezávamos na hora de comer, e ela se deliciava em cozinhar aqueles pratos que só vovós sabem fazer. E vovô sempre lá, molhando o pãozinho no café com leite, brigando com vovó e vovó brigando com vovô. Mas não se largavam. Eram tudo o que precisavam ter.
Ainda ouço vovó dizer: “minha netinha linda” e com aquela paz me fazer acreditar que tudo sempre dava certo. Que as pessoas eram boas. E vovô me ensinando o significado real da integridade, do ser justo, do saber ajudar. E fazendo as piadinhas costumeiras e dizendo “mil” com aquele sotaque de espanhol, que só alguns entendem.
Os almoços de nhoque de domingo, os churrascos unindo toda a família (aqui um abraço apertado a todos aqueles que tem isso em suas memórias), são essas lembranças reais, guardadas em fotos que tenho e que não quero perder. Conhecendo tios que não conhecia, primos que se perderam nos caminhos diferentes de vida, mas que eu ainda vejo na minha memória. Queria poder ter um diário invisível e saber de cada um deles, o que fizeram de suas vidas... agora que não estamos mais tão juntos.
E era assim, semestres que se passavam esperando dramaticamente o poder passar férias lá na Vila Matilde. E abrir o portão da casa mágica que um dia só poderei lembrar se guardar apertado na minhas lembranças de casa de vovó.
Agora eles se foram. Mas estão aqui comigo. Porque não posso ser nada  sem eles.
O barco partiu e chegou do outro lado da ilha, onde vivem em paz, sem dores. E meu barco fica aqui, sendo reflexo desse outro barco.  Isso é só uma pontinha do que eles foram para mim.
A casa mágica da vovó Martha e do vovô Elias.

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